quinta-feira, 17 de março de 2011

Oblivion

já era quase de manhã quando ela quis mostrar a tatuagem. ´this is water´ escrito em fonte curvosa, abaixo do umbigo à direita, eu não perguntei, mas ela contou que não era pela água nem por apego místico a elementos (eu sou terra, mas você é muito ar, a irmã dela dizia quando estava bêbada), mapa astral ou alguma merda dessa, mas pelo david foster wallace, que havia se matado há uns dias, ela falava sem tirar os olhos da tatuagem e cambaleava entre algumas frases, eu me lembrava do david e de ter lido fragmentos de oblivion, mas me perdia na blusa, na barriga que de alguma forma e àquela hora era ela toda, completa, pernas arqueadas e água preta, enlameada em uma nuvem de lembrança velha,´é tudo água, mesmo, daí o desapego do david com o corpo, a ossada, o invólucro...´, e eu tenho certeza de que o que ela dizia era válido, mas eu não era e nem estava ao que só permanecia, o queixo dela batia contra o próprio peito enquanto falava e eu a via em perspectiva frontal, feito uma prancha, uma tábua, a tatuagem dali era só chuva, água, (considere minha percepção seletiva), e me senti, por muito pouco tempo, é verdade, culpado, ela tinha medo e falava de falta e ausência e da própria vida com alguma dor e eu distraído pelo movimento, pela pele e pela água que o discurso todo desconstruía e relativizava.

sem lembrar de verdade o que era mesmo aquilo tudo.
esquecimento.

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