quarta-feira, 27 de junho de 2012

1. Andava meio sumido, muito doente e sem sair de casa


Ainda assim era bonito tentar distinguir, de longe, a mesma música que ouvia, repetidamente, o dia todo. Ninguém soube, que ele foi morar longe, não / Ninguém soube... / Diz a lenda / que trocou suas certezas por alguns sonhos mágicos. João e o Pé de Feijão, de Cícero, descobri alguns dias depois. Era o lugar mais bonito do mundo, mas o homem não olhava pela janela.
                                                                                 
Era um homem triste. Parecia bom e não muito velho. Triste. Amargo e arrependido. Triste. Quase realizado, incompleto. E triste.  Alguém que havia sido tudo o que no seu melhor dia pôde imaginar ser, mas por tão pouco tempo que não se conseguiria ler mais na sua cara. Um ex-sujeito.

Ele carregava uma dor que não cabia em um pedaço do corpo que tivesse nome. Uma dor de um corte escuro e fundo que não podia deixar em outro lugar que não dentro dele mesmo. Dele e de mais ninguém.

2. Malditos

A velha se arrastava e mal vivia, mas veio em minha direção. Ouvi, antes, na minha cabeça a voz calma de uma mulher que ainda não conhecia. A velha parou. Ela não tinha um dos olhos. La condena, disse com a voz rouca e ruim. Foi embora. Estático, me lembrei da irmã, da ex-mulher, da bailarina, da raposa do jardim, do meu vizinho solitário.

Dos dias todos que aconteciam sem que eu ou ele pudéssemos intervir.

3. Cabimento

Eu quero conversar sobre isso com você, ela disse. Era magra, muito nova e macia. Ouvia Janis Joplin e bebia pouca cerveja, mas porque gostava. Por mais de uma vez vi a cara da outra, que bebia porque achava que o álcool nos aproximaria. Isso, eu ainda acho, tinha sido culpa minha.

Por algum tempo ouvi a voz da outra. Jurava amor, parecia forte. Chorava e dizia que nunca ia desistir de mim. A pontada no lado direito abaixo da costela voltou e eu me lembrei porque não pensava mais nisso.

Ela era, para mim, o mesmo peso negro e doído que carregava meu vizinho.

Culpa.

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