‘Você
viu, lindo, como a gente chama com o pensamento as coisas que quer que
aconteça?’ Tainá só sabia falar rindo, até em sonho. Tinha olhos verdes e era
um pouco mais alta que ele. ‘Deita aqui’. Ela não se lembra direito do que
aconteceu depois, tudo ficou branco-esverdeado e sumiu. Tainá acordou devagar. Sentia
as pernas e as costas doloridas. Tateou a cama com o braço direito antes de se
virar. No lugar onde ele dormiu havia agora só o travesseiro branco com uma mancha de sangue
escuro. Tainá não se lembrava de ter amado alguém assim alguma outra vez. Amava-o
todo, com todos os morcegos e bichos que moravam dentro dele, todas as frases e
desenhos esparsos e incompletos. Seus olhos pretos e seus dentes de leão. Estavam
juntos há algum tempo, mas Tainá ainda estranhava seus próprios sobressaltos
respiratórios constantes, enlevos intensos e inexplicáveis de raiva que
alimentava pelo dia que ele não estivesse mais ali. Sentia-se um pouco egoísta
por ter tido mais dele do que qualquer outra pessoa do mundo. Ele voltou e
deitou-se sobre o sangue. O movimento que fez para entrar debaixo do lençol fez
soprar um leve vento que trouxe até Tainá o cheiro dele, mistura de desodorante,
vinho e pasta de dente. Cheiro de casa que, aos poucos, misturava-se com o do
café.
Tainá
virou-se de costas e olhou o quadro na parede, um desenho em preto e branco de
São Jorge com uma moldura vermelha. Esfregou a planta dos pés aos pés dele, fechou
os olhos e voltou a dormir. Em paz. Esperava, dessa vez, que ele a chamasse para dançar, caso ela viesse a se lembrar do próximo sonho.
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