segunda-feira, 27 de agosto de 2012

dentes de leão


‘Você viu, lindo, como a gente chama com o pensamento as coisas que quer que aconteça?’ Tainá só sabia falar rindo, até em sonho. Tinha olhos verdes e era um pouco mais alta que ele. ‘Deita aqui’. Ela não se lembra direito do que aconteceu depois, tudo ficou branco-esverdeado e sumiu. Tainá acordou devagar. Sentia as pernas e as costas doloridas. Tateou a cama com o braço direito antes de se virar. No lugar onde ele dormiu havia agora só o  travesseiro branco com uma mancha de sangue escuro. Tainá não se lembrava de ter amado alguém assim alguma outra vez. Amava-o todo, com todos os morcegos e bichos que moravam dentro dele, todas as frases e desenhos esparsos e incompletos. Seus olhos pretos e seus dentes de leão. Estavam juntos há algum tempo, mas Tainá ainda estranhava seus próprios sobressaltos respiratórios constantes, enlevos intensos e inexplicáveis de raiva que alimentava pelo dia que ele não estivesse mais ali. Sentia-se um pouco egoísta por ter tido mais dele do que qualquer outra pessoa do mundo. Ele voltou e deitou-se sobre o sangue. O movimento que fez para entrar debaixo do lençol fez soprar um leve vento que trouxe até Tainá o cheiro dele, mistura de desodorante, vinho e pasta de dente. Cheiro de casa que, aos poucos, misturava-se com o do café.

Tainá virou-se de costas e olhou o quadro na parede, um desenho em preto e branco de São Jorge com uma moldura vermelha. Esfregou a planta dos pés aos pés dele, fechou os olhos e voltou a dormir. Em paz. Esperava, dessa vez, que ele a chamasse para dançar, caso ela viesse a se lembrar do próximo sonho.

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