domingo, 14 de outubro de 2012

srta. jones

era mais velha e quase bonita e se esforçava, muito, tinha olhos verdes pequenos e felizes e aquilo tudo começou a me dar pena. falava sobre o dia, o trabalho e a família, e eu só tentava refazer o caminho que nos levara, agora voluntariamente, até ali. nos encontramos em uma noite suarenta de um bar apertado com a música alta e ela, sozinha, tinha passado a mão no meu cabelo e eu, por isso e por ter gastado tempo demais olhando diretamente para os olhos dela, sob luz fraca e entre os vultos, tive vontade de morder o lábio inferior da senhorita Jones e apertar o laço branco da parte de trás do seu vestido contra o balcão do bar. e só quando eu, de volta e apesar de não fazer ideia do que ela dizia, consegui enxergar nitidamente o que os olhos apertados e esperançosos feito os de uma criança no Natal da senhorita Jones queriam dizer foi que eu tive vontade de perguntar ‘posso ser honesto com você?’ e dizer que estar ali na verdade era para mim um exercício detestável e que o trabalho dela (de acompanhar shows de bandas independentes de rock e escrever resenhas para um site) não me interessava e que eu não me lembrava de nada da outra noite além dos olhos verdes e da cor do vestido e do cabelo amarelado e que só havia concordado em encontrá-la para não passar mais uma noite de domingo de chuva em casa e porque provavelmente já iria até aquele bar de qualquer forma e que se eu fosse uma pessoa com menos amarras sociais internas e de comportamento mais violento provavelmente levaria à cabo a vontade crescente de socá-la. a vontade, no entanto, passou, e quando voltei - ao meu corpo e à mesa - consegui enfim ouvir a última parte do que ela dizia, quando contava da infância em alguma cidade fria no país de gales. e me lembrei da única coisa que me interessava saber sobre gales, pelo menos àquela hora. ‘como vocês enterram seus mortos?’.

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