terça-feira, 11 de dezembro de 2012

minha flor


1.

o bar não está cheio nem vazio. maria havia pedido que me sentasse na mesa vizinha. está bonita e, excepcionalmente, maquiada. o vestido azul é repleto de pequenas corujas brancas e as botas altas com arabescos em alto relevo parecem ter todas as variações possíveis da cor marrom. a calcinha (cor de calcinha) está no meu bolso e ainda um pouco úmida. chama o garçom pelo nome. pede um conhaque e o cinzeiro. um rapaz que aparenta ter menos de vinte anos  pergunta o nome dela e se pode pagar-lhe uma bebida. maria olha para mim e sorri. não consigo me lembrar de nenhum outro instante específico em que tenha sentido mais vontade de comê-la. ela agora se insinua e pede que ele chegue mais perto, fala de astrologia e diz que gostaria de ler as linhas de sua mão. pega a faca pontuda de cortar carne que estava deitada sobre o guardanapo e prega com força a mão do rapaz à mesa de madeira do bar. ele berra e sangra em profusão. chora. maria ofega e me encara. leva uma das mãos à boca e a outra ao meio das pernas. geme e se contorce. goza ruidosamente. sai pela porta dos fundos com o corpo ainda bastante trêmulo. sinto o cheiro do perfume de baunilha de maria misturado ao de ferro do sangue escuro que escorre lentamente por entre as frestas da mesa à minha frente. o rapaz, agora, descansa.


2.

o homem sua. bufa. bate forte com as costas da mão direita na cara da mulher amarrada na cadeira à sua frente. urra. ri alto de nervoso. espera que ela reaja. a pedra verde do anel que ele usa no dedo médio já está, há uns três tapas, coberta de sangue. maria recebe, satisfeita, a pancada. meneia. volta a centralizar a cabeça. ri vermelho. o homem resolve segurá-la pelo alto dos cabelos e passa a socá-la. a parte interna das coxas de maria formiga. ela acabara de livrar-se das algemas e já entrevia, excitada, o filme do que aconteceria em seguida. ela sabia que eu estava assistindo.

 3.

maria pega a vela comprida e o isqueiro na gaveta do criado mudo. é tudo bonito, mas há uma ternura muito particular nos movimentos dos seus braços e ombros. está completamente vulnerável. está desarmada e não há na cara de maria o menor sinal  de cálculo. me deita com a barriga para baixo na cama de lençóis frios e separa meus dois braços do corpo. senta-se sobre meu cóccix margeando minhas pernas com os joelhos. derruba gotas de parafina quente em minhas costas em sentidos e intensidades aleatórios. percorre também o próprio corpo com a vela e deixa cair vagarosamente o peso do corpo sobre o meu. 'eu confio cegamente em você', ela fala, em voz baixa, em meu ouvido direito. respira fundo uma vez e eu sinto seu corpo mais leve.

a mulher foragida dorme, tranquila e silenciosamente.

minha flor.

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